sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

trezentos e cinquenta e oito

A criatividade nada mais é do que a lapidação do cotidiano em busca de um núcleo valioso:

(Noite chuvosa, 23h, dentro do ônibus)
― Com licença.
Sentada no corredor, abre passagem para o senhor sentar ao lado. Ele hesita e resolve falar:
― Foi você que viajô comigo ônti?
― Não sei.
― Também num tenho certeza. Mas acho que era você, sim. Saiu mais tarde hoje?
― Sei lá.
― Cê num sabe de nada, hein! O que cê comeu ônti, no almoço?
― Não lembro... (sorriso amarelo, olhar a 180° do sujeito)
Ele levanta uma pipa embrulhada num plástico transparente. Pipa branca, com uma estrela preta:
― Bonita, né?
― Heheh... (outro daqueles amarelõooes)
― Cê é framenguista?
― Não.
― Acho que viajamo ônti aqui, nesse mermo lugá.
― Hum...
(1km de silêncio)
― Tudo alagado. Noutro dia, ficamo parado aqui. Num dava pra passá.
― (...)
Levanta e puxa a cordinha. Deixa o veículo pra trás. O velhinho solta um arroto. E coça o saco. Desce em algum ponto entre o dela e o final.

A pipa do vovô não molhou.

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