quarta-feira, 9 de junho de 2010

quatrocentos e quarenta e um

A Arte da desgraça. Desgraçarte?

A primeira vez que eu notei a existência dos artistas de rua foi há 10 anos atrás, na primeira viagem da minha vida. E não foi instantâneo. Precisei revelar as fotos e admirá-las algumas vezes para reparar no trabalho de uma jovem que cobria seu corpo com tinta dourada e possivelmente vivia disso. Primeiramente, achei bonito. Gosto dessas estéticas mambembes. Depois reparei que, além de tudo, é um trabalho que oferece certa liberdade. Nada como ser artista!

O Centro do Rio de Janeiro é o melhor lugar para encontrar todos os tipos de artistas de rua: músicos de entrada do metrô, estátuas-vivas, palhaços, mágicos, malabaristas, equilibristas, artesãos hippies, poetas (frequentemente hippies também)... Se as pessoas não vão mais até o circo, então é o circo que vai até elas. E divide espaço com o comércio e com a correria urbana. Mas sempre tem alguém que arranja um tempinho para apreciar a arte.

Porém, não é só de circo que vive o entretenimento das ruas. Existe uma categoria de entretenimento que sempre se mostrou muito lucrativa: o freak show. Suponho que os ciganos se encaixem nessa categoria. E é nela que se encaixam os aleijados, os anões e todo tipo de deformado que opta por exibir suas diferenças em troca do que o público estiver disposto a pagar. Se partimos do princípio que o artista é aquele que realiza uma determinada atividade técnica ou estética com particular habilidade, talvez pudéssemos considerar os ambulantes e os ladrões como artistas urbanos. Mas isso é raciocínio para algum outro post.

E, paralelamente a isso tudo, tem as artes cênicas, claro. Ao constatar que ganha mais quem consegue gerar sentimento de pena no público, muitos resolveram utilizar dos seus talentos cênicos e acabaram por criar uma nova arte de rua, que podemos chamar de desgraçarte, na falta de um termo específico no dicionário. O desgraçartista muitas vezes possui alguma deficiência física ou cicatrizes de grandes acidentes passados. Mas até mesmo os agraciados com um corpo são podem atuar nesse segmento. Basta ter criatividade. E, assim, multiplicam-se os desgraçartistas, que sobem no palco ônibus e atrapalham o sossego da nossa viagem para esfregar todo o seu show na nossa cara: desde o triste enredo, com doenças, fome e morte, até o fedor e todas as deformidades naturais ou simuladas. Ontem mesmo, assisti à apresentação de um rapaz que usava ataduras no corpo todo, máscara no rosto e uma muleta. Ele falou sobre uma suposta doença, remédios caros e tal. Depois fez questão de tirar a máscara e pedir dinheiro para todos os passageiros, bem de pertinho.

Pois é, no Brasil não se ganha dinheiro com talento, capacidade, conhecimento, especialização... Para ganhar dinheiro no Brasil, você tem que ser o coitadinho doente, passando fome. Otherwise, torça para papai e mamãe viverem para sempre, te empregarem ou deixarem uma herança bem gorda. O consolo é que, na necessidade, basta se vestir com uns panos de chão, passar uns dias sem tomar banho, espalhar alguns curativos pelo corpo e pronto! Quebre a perna!